sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Gisele ganha o salário e Iriny faz o trabalho

A marca de lingeries Hope deveria repensar os seus gastos com publicidade. Por que perder uma nota com Gisele Bundchen se Iriny Lopes, a ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, faz uma propaganda bem mais eficiente e de graça?


Quando Iriny resolveu reclamar da mensagem sexista na propaganda da Hope, surgiu, como era de se prever, uma divisão. De um lado, os defensores da marca, a turma que achou a atitude da ministra um exagero. Do outro lado, a própria Iriny e seus seguidores. “O comercial dá a entender que a mulher, para se proteger de alguma reação mais agressiva por parte do companheiro, precisa de uma imagem erotizada”, diz a ministra em uma entrevista à Istoé desta semana. Enquanto se desgastam no assunto, quem deve estar rindo à toa é a própria Hope. Afinal, ver um filme publicitário tão preguiçoso e cafona virar assunto do momento deve ter enchido de alegria os corações dos responsáveis da marca.

Porque, convenhamos, a piada da mulher-gostosona-que-consegue-tudo-o-que-quer-do-marido-bobão está com a validade mais vencida do que aquela pomada no fundo do seu armário. É interessante ver como uma marca gasta dinheiro para fazer uma campanha com um conteúdo tão alheio à contemporaneidade como este.

Houve uma época que a piada devia ser genuinamente engraçada. Uma época quando a tal situação, guardada as devidas proporções, era real. Uma época em que a sociedade não era só machista, como era patriarcal e delimitava os estereótipos sociais de uma forma bem mais acentuada. Os homens eram os chefes da família e as mulheres as rainhas do lar. Elas não tinha o dinheiro e estavam presas em um jogo de poder. Para conseguir o que queriam usavam artifícios criativos, mas sutis o suficiente para eles não perderem a pose. A boa comédia é sobre verdades. Ela pega uma verdade da época, normalmente não percebida, e escancara o ridículo dela. Ora, que ridículo é um homenzarrão que se coloca como o chefe da família, mas, no fim das contas, sem perceber, é um bobão manipulado pela esposa, namorada ou amante?

E hoje? Existem ainda espaço para esses estereótipos? A imagem da mulher que usa da sensualidade condiz com o grosso da nossa realidade?

Quando estudei publicidade, estar atualizado era o mantra. Mas a ideia de estar atualizado não é muito bem definida. Estar atualizado não é apenas sobre conseguir dissertar sobre todas as notícias dos jornais do dia. Estar atualizado é mais do que isso. Estar atualizado é conseguir perceber qual é o clima da época. É perceber, através das manifestações artísticas, culturais, sociais, um pouco do espírito atual. E faltou aos profissionais responsáveis pela campanha da Hope uma pesquisa nesse sentido. Hoje em dia, estereótipos como o da Hope estão em baixa, não atraem mais como antes. Muito provavelmente por ser o retrato de uma época que não é a atual.

Daí, talvez, o exagero da manifestação de Iriny. Possivelmente, se ela não tivesse falado nada, a propaganda teria passado em branco. A realidade da mulher é diferente agora. Ela sabe que a Gisele Bundchen de lingerie contando a má notícia para o marido não a representa mais. Esse estereótipo da mulher ter que usar a sensualidade para conseguir o que quer não é mais uma verdade absoluta (se é que algum dia foi). Isso torna a propaganda da Hope inofensiva, ineficaz e, por isso, ruim. E tudo que Iriny fez foi criar defensores para uma propaganda ruim. Talvez eles não estejam defendendo a propaganda literalmente. Talvez estejam defendendo sua capacidade de tirar as próprias conclusões, sem ter um ministro toda vez para ditar o que é certo ou errado.

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