sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A obsessão da narrativa americana por nobres heróis

Män som hatar kvinnor, Flickan som lekte med elden e Luftslottet som sprängdes são os títulos originais dos livros da Trilogia Millenium, escrito pelo falecido Stieg Larsson. No Brasil, foram batizados pela Companhia das Letras como Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, A Menina Que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar. Traduções quase fiéis. Há um pequeno desvio da fidelidade no terceiro livro, apenas. Literalmente, o nome sueco significa algo como "O castelo que ruiu".

Nada comparado aos nomes escolhidos para as edições em língua inglesa da trilogia: The Girl With the Dragon Tatoo (A Garota com a Tatuagem de Dragão), The Girl Who Played With Fire (A Garota que Brincava com Fogo) e The Girl Who Kicked the Hornes´s Nest ( algo como A Garota Que Chutou o Ninho da Vespa - eu sei que existe uma palavra melhor para substituir este 'kicked', mas, no momento, não me vem à mente).

Em um resumo muito porco, a trilogia inicia com a investigação do desaparecimento da sobrinha de um magnata por um jornalisa, Mikail Bloomkvist, e uma hacker antissocial, Lisbeth Salander. Ao longo dos três livros, os personagens são envolvidos em crimes relacionados ao tráfico de mulheres e abusos do poder. 

Quando começamos a ouvir notícias sobre o sucesso da obra de Larsson, os títulos americanos eram apresentados como originais. Como o sueco anda em falta na carga horária das escolas, tratar um livro como The Girl With The Dragon Tatoo é mais simples do que tratá-lo como Män som hatar kvinnor.

Enfim, li Os Homens Que Não Amavam as Mulheres com o The Girl With the Dragon Tattoo na cabeça. O incômodo foi inevitável. Qual era a razão para este título nas publicações para a língua inglesa? O primeiro livro não é sobre Lisbeth Salander, ela não é a protagonista isolada e muito menos a heroína. O fato de ter uma tatuagem de dragão é mencionado algumas vezes, mas não é determinante para a história.

A narrativa clássica conhece a importância de um herói, aquele personagem que podemos não concordar em relação às atitudes, mas nos identificamos e torcemos por ele. Indiana Jones, Bourne, Harry Potter, Batman e outros. No caso dos livros de Stieg Larsson, era preciso deixar claro quem era o herói.

Longe de mim me opor aos heróis. São vitais para a narrativa. Mas a escolha americana dos títulos da trilogia Millenium engana um pouco os leitores. Como disse, o propósito parece ser não deixar dúvidas da existência de alguém para os leitores torcerem. A impressão que passa, entretanto, é a de uma série de três livros separados, unidos por uma personagem protagonista, a "The Girl", que vive aventuras diferentes em cada um deles, com início, meio e fim.

Não cometa este engano. Os livros de Larsson devem ser lidos como uma obra única. O primeiro é até completo. Se você ler Os Homens Que Não Amavam as Mulheres terminará satisfeito. Você pode não gostar, mas o completará com uma percepção de início, meio e fim. Mas, ao ler A Menina Que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar, será possível perceber que se trata de uma grande história de mais de 1500 páginas.

Larsson deveria saber que vender um livro de 1500 páginas seria como exibir um filme de 7 horas no cinema. E devia conhecer a necessidade de uma boa impressão da estréia para a aprovação de uma possível segunda parte. Lançar o primeiro livro apenas como o trecho de uma grande aventura seria arriscado. Poderia ser visto como um trabalho sem finalidade ou objetivo. Quando Larsson escreve Os Homens Que Não Amavam as Mulheres como uma obra completa, ele dá a satisfação de jornada completa aos seus leitores. Mas, ao escrevê-la, parece ter sempre em mente que se trata de um trabalho maior.

Talvez, pela percepção errada, me incomodei tanto com o segundo livro, A Menina Que Brincava com Fogo. Parecia que ia do nada para lugar nenhum. Mas, na verdade, era o meio de uma enorme história.

Lisbeth Salander é sim a heroína - da trilogia inteira, não de um ou outro livro - mas não no sentido que o título em inglês tenta nos fazer pensar. Não é a mulher destemida que resolve todos os problemas, não é guiada por ideais altruístas, tem atitudes bem duvidosas e questionáveis. É apenas uma personagem que se vê no centro de uma intrincada teia e quer que parem de encher o seu saco. E, sem pedir, acaba recebendo a ajuda de um bocado de gente.

A Trilogia Milleniun é um policial de primeira. Mas, apenas se os três livros forem analisados como uma obra única. E não se trata aqui de um "As Aventuras de Lisbeth Salander". Talvez, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é a melhor forma de nomear a obra completa. Porque, no fim das contas, é uma trilogia sobre a mulher. A forma como ela é percebida em oposição à sua capacidade real.

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